Em Rei Lear há uma identificação entre os personagens e a fantasmagoria.É uma espécie de mitologia,personagens arquetipicos e não pessoas realmente.
Dir-se-ia que tal fato acabaria com o realismo da peça e de Shakespeare ,mas não,na verdade aprofunda.
E isto se dá porque estes arquétipos servem para uma discussão sobre os caminhos e descaminhos da humanidade.
Em um livro que escrevi há muitos anos tratei do que realmente é o Rei Lear:um rei pratica violência e injustiça a vida toda e quer se aposentar;entrega às filhas que ele ensinou ,o poder, e elas fazem com ele o que ele fez com todo mundo.
Mais realístico impossivel.Os personagens são como que mitológicos e representam os aspectos vários desta problemática,digamos assim.
As duas filhas são dominadas por instinto sexual e de poder,duas coisas que não raro andam juntas.A única filha,que diz a verdade e por isto é banida,Cordélia,tem uma relação de amor com o pai,que se revela na sua capacidade de dizer a verdade.
O próprio Lear,velho senil,não deixa de mostrar as suas características de personalidade.Também Edgar e o filho do chanceler continuam a questão do amor como verdade e não bajulação e depois nós temos dois serviçais,um que perde os olhos e só vê o seu erro neste momento e o outro,mas baixo,que acaba no cepo,por ser excessivamente fiel e obediente.
E o personagem universal de Shakespeare,que ridiculariza a todos,inclusive o rei ,que passa a entender o que fez ,através de suas piadas e gracinhas.
A última cena do bobo é antológica,já que o rei reconhece a sua humanidade(dele)e o põe num lugarzinho de seu coração.
O filho de Edgar que trai o pai,gloster,é um cinico e é o que diz Lear,já com uma certa lucidez na sua loucura: “não tens olhos,mas agora tu vês”.
Uma inversão que perpassa toda a peça:a verdade sempre encontra uma senda para se impor,apesar das pessoas ,dos personagens.
É uma peça que desvela as ilusões do ser humano e o ensina.