Algumas
contribuições de Nietzsche
Um
dos fundamentos éticos de minha atividade de pesquisador independente é o que
eu li uma vez de Nietzsche,da sua obra.Falando sobre os alemães no final do
século XIX,depois da unificação ,ele disse que tinham parado de pensar e se
acostumado somente a fazer política e a submeter tudo(inclusive e principalmente
o pensamento)a ela.
Esta
é uma passagem que separa o pensador do que aconteceu depois,historicamente.O
ato em si de pensar teria evitado o nazismo,mesmo que a cultura e o pensamento
de Nietzsche pudessem,numa distorção do senso-comum,ser usados para propósitos
indevidos e ilegítimos.Com relação a esta última assertiva,o pensamento de Nietzsche
nos remete para as perigosas relações entre o elevado pensamento dos doutos com
este mesmo senso-comum do cotidiano.Pois foi nesta passagem que os ativistas de
direita buscaram fundamentos para suas arapucas,modificando segundo sua
conveniência o pensamento de Nietzsche e de outros autores,que não compreendiam ou não
queriam,mas cujos esquemas sutis podiam ser pervertidos( a esquerda também faz
isto).Não vou analisar agora esta passagem,mas só o aspecto geral dela,ou
seja,qual o papel do pensamento elevado,douto, diante do homem cotidiano.
Nós
sabemos que Platão separou estas duas esferas totalmente ,em favor ,lógico,da
primeira;mas embora o pensamento e a empiria tenham sido ligados,depois de Kant,muitos
filósofos buscam manter esta separação exatamente por causa do que as
incompreensões do pensamento de Nietzsche causaram.
Na
minha opinião esta separação é irreal e impossível,mas sobretudo ilegítima,porque
sabemos que a função da filosofia,quando os homens dormem,é analisar o que
fazem e dar um sentido aos seus atos.A
função da filosofia é atualizar o homem cotidiano constatando as mudanças cada
vez maiores e mais rápidas de seu contexto formador e existencial.
Então
não há como negar que a filosofia( e o conhecimento) não dirige o homem,mas
participa de sua vida,sendo a ruptura
destes dois lados um projeto de poder.
Tanto
o douto pode se tornar popular,como o popular pode ( e deve)adquirir condição
elevada.
Foucault,em
“Vigiar e Punir”,entre outras verdades,diz que não existe contrato social
nenhum,mas apenas luta pelo poder,entre as instituições sociais.Quem disse que
só a Escola pode produzir conhecimento?Que só quem passa por ela tem o direito
de produzi-lo?No romance de Jorge Amado(que eu mais gosto)” Tenda dos Milagres”
o personagem Pedro Arcanjo(reunião de Marighella e Manuel Quirino)entra como
bedel na Faculdade de Medicina da Bahia e é proibido tacitamente de escrever pelo Doutor
Nilo Argolo,o racista de plantão.O fundamento deste preconceito é Platão,numa
sociedade escravocrática.Mas numa sociedade como a nossa,supostamente
democrática e sem barreiras ,esta separação,este apartheid cultural subjacente
tem a ver como que Foucault diz.
O
equilíbrio entre o conhecimento ,digamos,não-douto,e o douto não existe.A elevação(ascese)é tão
possível com o diploma,como sem ele,bastando a inspiração e o esforço exigível para
todos.Não há nenhuma grande genialidade na humanidade que não tenha tido que se
esforçar para alcançar os seus objetivos.No meu modo de ver foi Marx e o
marxismo,com suas incompreensões do mundo real,que cristalizou uma tendência
difusa do Renascimento e que ,mais ou menos,se consolidou no
Romantismo(notadamente o alemão),de considerar a genialidade somente,presente
em figuras providenciais,como o meio de se chegar aos píncaros do
conhecimento.Talvez o próprio Marx tenha ajudado neste erro ao se colocar como
o descobridor das “ leis dialéticas do desenvolvimento da sociedade”,deixando
de lado as contribuições do passado e a de seus contemporâneos .Mas ele levou
vinte anos de luta para escrever o capital,cumprindo etapas epistemológicas até
completar o todo.
O
que ocorre é que as pessoas comuns ,conscientes de suas dificuldades,se
esforçam mais e quando sua vocação(como é natural)aparece mais cedo,os
resultados surgem antes daqueles procurados pelos da academia.
Foi
assim com Einstein e Max Planck.Einstein se adiantou na procura de novas
equações resolutivas dos novos problemas colocados pela física do final do século
XIX.Os outros físicos acadêmicos,como Planck e Lorentz ,dentro das
universidades procuravam o mesmo em meio à política freqüente dentro delas.Livre,Einstein
pode apresentar os resultados e assumir um nome
autêntico antes dos “ doutos”.Mas ele teve sorte,porque encontrou na
figura sem inveja de Planck,um interlocutor capaz de reconhecer o seu mérito e
chamá-lo para um cargo de professor,ainda que sem qualificação.Se fosse no
Brasil hein?...
Os
doutos,acadêmicos ,se enredam na política e nas
barreiras por ela impostas ao esforço e se atrasam.É a fábula,mutatis mutandi,da lebre e da
tartaruga.Lorentz não é pior do que Einstein,mas este teve mais tempo e
esforço.
Aqui
no Brasil,como o mostra Lima Barreto no Romance “ O triste fim de Policarpo
Quaresma”,não haveria reconhecimento,mas uma barreira definitiva,no que é a
verdadeira explicação da razão pela qual o Brasil ainda não ganhou o Nobel.
O
não reconhecimento do valor do outro atrasa a sociedade e a História.Por causa
de Einstein e Max Planck o século XX se adiantou no mínimo 40 anos.
O
pensamento elevado,complexo,é acessível a qualquer um que se esforce,levando
mais ou menos tempo.Contudo existem saberes que são acadêmicos,profissionais, e
outros que podem se constituir num saber acessível,mas sem perder o rigor,sem
se vulgarizar.Nietzsche,no fundo,busca isto aí e a tendência da produção
gnosiológica dos últimos 100 anos é esta.
O
que eu faço ,como pesquisador é este segundo plano,embora eu esteja,me
preparando para fazer muito no primeiro.Esta pesquisa acessível é
rigorosa,legítima e importante,por mais que
a academia diga que não.
O
homem cotidiano se aproxima dela se quiser (eu acho que deveria),como quem lê
um jornal mais alentado ou uma revista de cultura,que não é só de divulgação,mas
de produção de algo novo.Mas o saber acadêmico nem sempre lhe é obrigatório ou essencial(em função deste último o primeiro).
Mas
,me conectando ao que eu disse sobre Nietzsche e seus comentários sobre os seus
concidadãos,é que hoje em dia só se adquire nome se se tiver,como na
política,seguidores(nas redes inclusive).Só se valoriza o conhecimento se
alguém acredita nele,se muitos(eleitores)acreditam nele;se existe a
possibilidade desta relação com seguidores se transformar num projeto financeiro.O que
Nietzsche quis dizer ,e eu concordo com ele,é que o pensamento, o
conhecimento,o seu mérito bem fundado,não são mais considerados,mas sua
utilidade e nisto,neste processo reside a distorção do pensamento ,que conduz aos
problemas e violências de todos os tempos.
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