domingo, 29 de março de 2020

Nietzsche

o estudo das obras

Volto aqui para analisar a obra de Nietzsche ,sempre levando em conta algo de novo a apresentar.Este algo de novo pode ser algumas pedrinhas,algumas coisas,como dizia Heidegger.
Na floresta negra Heidegger recebia alunos e lhes dizia que o mais importante era tirar da leitura dos livros alguma coisa que fosse nova.Quando tomei conhecimento deste “ método” pela primeira vez achei(e ainda acho)que isto era um truque para os professores impedirem um vôo mais livre dos alunos,vôo que os ameaçaria em suas posições.Naquele contexto eu ainda acho isto,mas ,hoje,como pesquisador,entendo que buscar estas pedrinhas é um possível começo para uma viagem mais audaciosa.
Assim sendo muito já se disse a respeito de Nietzsche mas o que seria novo na sua abordagem?Na sua obra?
Os estudos sobre a obra de Nietzsche devem começar pelo inicio,porque toda ela é importante.Desde o “ Nascimento da Tragédia” até o “Livro do Filósofo”,tudo se aproveita,tudo pode dar origem a reflexões importantes.
Começando do começo,a distinção entre o apolineo e o dionisíaco apresenta diversas possibilidades não só de interpretação mas de consequencias possíveis.
Chamo de consequencias possíveis ideias que derivam do discurso ,qualquer que seja ele,que ,inclusive,não são percebidos pelos autores.
Há críticos que deploram esta minha atitude,mas os discursos bem fundamentados são sempre aqueles que possuem este condão de potencializar outros fundamentos e concepções,a ele subjacentes.
Aliás muitos doutores são preparados exatamente para isto.Distinguindo aquilo que o autor disse do que o intérprete descobre,é perfeitamente legitimo tirar outras conclusões.
No que diz respeito a esta distinção entre o apolineo,a razão, e o dionisiaco,a emoção,digamos assim grosso modo ,Nietzsche a faz para priorizar o segundo e realizar o questionamento da razão abstrata que nada tem a ver com o mundo real.
Era uma questão cada vez mais forte no século XIX,deixar de lado a Grécia Clássica para utilizar criadoramente outros periodos do helenismo.Basta pensar num Gauguin para ver como isto era influente neste século referido.Gauguin não usava os modelos clássicos e hauria dos periodos arcaicos da Grécia os elementos de sua arte,considerada discutivelmente naif (primitiva,ingênua),mas verdadeira,autêntica.
Num século também cada vez mais cientificista a reação existencialista de um Kierkegaard;a reação da psicologia e da arte apontam uma saída para os impasses da razão e Nietzsche se imbrica com este movimento geral,discutivelmente chamado de irracionalismo .
A filosofia da consciência posta por Nietzsche só é irracionalista no sentido de que rompe de vez com a razão,no sentido de uma explicação modelar da vida e da sociedade, em favor de uma realidade concreta,real,positiva,potencial,que,não prescinde ,de fato, da razão(como vou explicar mais abaixo).
A rutura entre a consciência e a razão é algo de extremamente irreal e marca uma postura de recusa ideológica de parte do mundo,fundando um desinteresse egoístico pelo ideal.
As mesmíssimas críticas que faço ao marxismo(especialmente Althusser),faço-as à Nietzsche e não é à toa que um certo marxismo nietzschiano surgiu na década de 60,mas que já tinha sido anunciado por Franz Mehring(citação de Luckács em “ A Destruição da Razão”).
Vejo uma similitude(aqui está a minha pedrinha de Heidegger)entre esta visão de Nietzsche e o anti-humanismo teórico de Althusser(discutivelmente aplicavel a Marx):ambos procurando ver só o mundo real se desfazem supostamente de toda a razão e idealismo .
O mito racional fundante do ocidente é o de Dédalo e Icaro:o esforço de idealização conduz à morte e então há que viver no mundo real.Se o sól é inalcançável fiquemos no chão.
Da mesma forma, falar ,como Cristo, em “ Amai-vos uns aos outros” é uma idealização impossível de realizar(eu vou tratar deste tema mais abaixo).
È como as pessoas que dizem “ Há que ser mais humanos”,sem perceber que dentro da humanidade existem os bons,como São Francisco de Assis e os maus ,como Hitler.
De novo ,a solução desta contradição é Kant:dizer que se deve ser “ mais humano” significa defender a sua existência ,a sua permanência(da humanidade),ou seja,a permanência do bem,que se identifica com a defesa da vida,sendo o mal a sua destruição.È o que se depreende do texto de Kant “ A religião nos limites da simples razão”.
Isto é uma idealização porque não se identifica ou adequa com o mundo real,mas induz um esforço para mudar o real.O problema de Icaro é só a imaturidade,mas o seu desejo é mais que legitimo e autentico.
O virar as costas à razão de Nietzsche é uma decisão que baseia-se na falsa concepção de que há esta separação e a consciência.Se é certo que a razão,através do moralismo,se impõe indevidamente,o é também a recusa da consciência.Mas não será esta uma postura moralista,quer dizer,a crítica a esta recusa?
Viver a sua existência,despreocupadamente,como Ivan Karamazov, não é também potencializar a vida?Ou o engajamento no viver com os outros, na luta pelo bem da humanidade,esta abstração,não o é mais?
A visão(visada)do mundo real,do chão,de dédalo ,falseia a realidade,torna-se consciência falsa,(ideologia)porque não reconhece os nexos inevitáveis entre a consciência e a razão e a idealização,que,na experiência humana,não se rompem.
A questão ética do individualismo eu vou discutir no próximo artigo “ As razões de Nietzsche”.

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