o estudo das obras
Volto aqui para analisar a obra de
Nietzsche ,sempre levando em conta algo de novo a apresentar.Este
algo de novo pode ser algumas pedrinhas,algumas coisas,como dizia
Heidegger.
Na floresta negra Heidegger
recebia alunos e lhes dizia que o mais importante era tirar da
leitura dos livros alguma coisa que fosse nova.Quando tomei
conhecimento deste “ método” pela primeira vez achei(e ainda
acho)que isto era um truque para os professores impedirem um vôo
mais livre dos alunos,vôo que os ameaçaria em suas posições.Naquele
contexto eu ainda acho isto,mas ,hoje,como pesquisador,entendo que
buscar estas pedrinhas é um possível começo para uma viagem mais
audaciosa.
Assim sendo muito já se disse a
respeito de Nietzsche mas o que seria novo na sua abordagem?Na sua
obra?
Os estudos sobre a obra de
Nietzsche devem começar pelo inicio,porque toda ela é
importante.Desde o “ Nascimento da Tragédia” até o “Livro do
Filósofo”,tudo se aproveita,tudo pode dar origem a reflexões
importantes.
Começando do começo,a distinção
entre o apolineo e o dionisíaco apresenta diversas possibilidades
não só de interpretação mas de consequencias possíveis.
Chamo de consequencias possíveis
ideias que derivam do discurso ,qualquer que seja ele,que
,inclusive,não são percebidos pelos autores.
Há críticos que deploram esta
minha atitude,mas os discursos bem fundamentados são sempre aqueles
que possuem este condão de potencializar outros fundamentos e
concepções,a ele subjacentes.
Aliás muitos doutores são
preparados exatamente para isto.Distinguindo aquilo que o autor disse
do que o intérprete descobre,é perfeitamente legitimo tirar outras
conclusões.
No que diz respeito a esta
distinção entre o apolineo,a razão, e o dionisiaco,a
emoção,digamos assim grosso modo ,Nietzsche
a faz para priorizar o segundo e realizar o questionamento da razão
abstrata que nada tem a ver com o mundo real.
Era
uma questão cada vez mais forte no século XIX,deixar de lado a
Grécia Clássica para utilizar criadoramente outros periodos do
helenismo.Basta pensar num Gauguin para ver como isto era influente
neste século referido.Gauguin não usava os modelos clássicos e
hauria dos periodos arcaicos da Grécia os elementos de sua
arte,considerada discutivelmente naif
(primitiva,ingênua),mas
verdadeira,autêntica.
Num
século também cada vez mais cientificista a reação
existencialista de um Kierkegaard;a reação da psicologia e da arte
apontam uma saída para os impasses da razão e Nietzsche se imbrica
com este movimento geral,discutivelmente chamado de irracionalismo
.
A
filosofia da consciência posta por Nietzsche só é irracionalista
no sentido de que rompe de vez com a razão,no sentido de uma
explicação modelar da vida e da sociedade, em favor de uma
realidade concreta,real,positiva,potencial,que,não prescinde ,de
fato, da razão(como vou
explicar mais abaixo).
A
rutura entre a consciência e a razão é algo de extremamente irreal
e marca uma postura de recusa ideológica de parte do mundo,fundando
um desinteresse egoístico pelo ideal.
As
mesmíssimas críticas que faço ao marxismo(especialmente
Althusser),faço-as à Nietzsche e não é à toa que um certo
marxismo nietzschiano surgiu na década de 60,mas que já tinha sido
anunciado por Franz Mehring(citação de Luckács em “ A
Destruição da Razão”).
Vejo
uma similitude(aqui está a minha pedrinha de Heidegger)entre esta
visão de Nietzsche e o anti-humanismo teórico de
Althusser(discutivelmente aplicavel a Marx):ambos procurando ver só
o mundo real se desfazem supostamente de toda a razão e idealismo
.
O
mito racional fundante do ocidente é o de Dédalo e Icaro:o esforço
de idealização conduz à morte e então há que viver no mundo
real.Se o sól é inalcançável fiquemos no chão.
Da
mesma forma, falar ,como Cristo, em “ Amai-vos uns aos outros” é
uma idealização impossível de realizar(eu vou tratar deste tema
mais abaixo).
È
como as pessoas que dizem “ Há que ser mais humanos”,sem
perceber que dentro da humanidade existem os bons,como São Francisco
de Assis e os maus ,como Hitler.
De
novo ,a solução desta contradição é Kant:dizer que se deve ser “
mais humano” significa defender a sua existência ,a sua
permanência(da humanidade),ou seja,a permanência do bem,que se
identifica com a defesa da vida,sendo o mal a sua destruição.È o
que se depreende do texto de Kant “ A religião nos limites da
simples razão”.
Isto
é uma idealização porque não se identifica ou adequa com o mundo
real,mas induz um esforço para mudar o real.O problema de Icaro é
só a imaturidade,mas o seu desejo é mais que legitimo e autentico.
O
virar as costas à razão de Nietzsche é uma decisão que baseia-se
na falsa concepção de que há esta separação e a consciência.Se
é certo que a razão,através do moralismo,se impõe indevidamente,o
é também a recusa da consciência.Mas não será esta uma postura
moralista,quer dizer,a crítica a esta recusa?
Viver
a sua existência,despreocupadamente,como Ivan Karamazov, não é
também potencializar a vida?Ou o engajamento no viver com os
outros, na luta pelo bem da humanidade,esta abstração,não o é
mais?
A
visão(visada)do mundo real,do chão,de dédalo ,falseia a
realidade,torna-se consciência falsa,(ideologia)porque não
reconhece os nexos inevitáveis entre a consciência e a razão e a
idealização,que,na experiência humana,não se rompem.
A
questão ética do individualismo eu vou discutir no próximo artigo
“ As razões de Nietzsche”.
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