segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Meu encontro com Marx e Freud IX



Adaptado a uma nova realidade Marx pode ser abordado não numa perspectivca contrária a Freud e a nenhuma psicologia,já que nenhuma  pode ser “sempiterna” ,” espiritualista”.Mas fazer uma  psicologia materialista é possível,como quis Lucien Sève?
As tentativas aqui foram sempre no sentido de abordar o homem como produtor,mas ele é só isso?Então a abordagem materialista é uma entre tantas,só abordando um aspecto da vida humana:a do homem como produtor.
Nem trabalhador se pode dizer porque existem outras psicologias que tratam do problema.A capacidade do homem de se fazer,de  se constituir livremente,eis o objeto do estudo da personalidade humana.E porquê personalidade?
Porque justamente é nela que o homem encontra a sua identidade,ainda que não fechada,o seu sentido de ser,(diferentemente de Heidegger)capaz de mudar a si mesmo e ao seu mundo conscientemente.
Em Heidegger um ser mais forte,um homem mais forte diante do mundo.Em Wittgenstein,sem perder tempo,em Marx capaz de moldar a sua personalidade e o seu mundo,dentro de uma visão democrática:perguntando se o mundo quer ser mudado.

domingo, 9 de outubro de 2016

Wittgenstein II

Ciência e  existência




O tomar ciência de alguma coisa é sempre um modo de fazê-lo e modo é tempo,tempo de elaboração deste tomar ciência.A ciência pode não ser para o sujeito,conscientemente falando,mas o tomar ciência das coisas é uma das condenações da humanidade,em sua racionalidade.Mesmo que ele não saiba como funciona uma cafeteira elétrica,de algum modo toma ciência dela.
Um índio que vê um microfone pela primeira vez ,toma de algum modo ,ciência de algo,novo.
Então a relação ciência e existência é um movimento constante que vai do sujeito(consciente ou não)ao objeto(no plano das ciências sociais o movimento oposto pode ocorrer) .É o homem no seu movimento de consciência(de consciência[e escolha]{porque ele escolhe o que tomar ciências às vezes}).
Se tomarmos outra frase de Wittgenstein,já  citada acima:” do que não se  pode falar não se deve falar,deve se calar”,podemos dizer que esta “ divisa” é muito ambígua e complexa principalmente nas relações entre ciência e existência,porque mesmo para um índio que vê um microfone e o examina,já existe esta relação e a sua escolha já foi realizada(ainda que sem “ muita “ consciência)
O projeto de Wittgenstein é  evitar as desconexões entre o modo de elaboração da ciência pelo  sujeito,afim de evitar os desperdícios ou falatório,no dizer de Heidegger.
Esta proposta é muito válida,mas peca pela convicção,dir-se-á cientificista, de que é possível uma lógica(formal?)que evite isto.O capitulo da certeza será sempre uma areia movediça eterna,porque o ser humano só consegue certeza (quase-)absoluta no nível do óbvio ou do evidente,do muito evidente.Fora disso,a  errância,a ilusão,a irracionalidade,as más escolhas jogam inevitavelmente um papel .
Não sei se Wittgenstein concordaria com o que eu  digo agora ,mas ele parec comungar de um defeito de sua época ,que é o de querer uma perfeita ciência ética,uma conexão que impedisse as irresponsabilidades tanto da ciência quanto da ética,mas o processo histórico da ciência e  a relação da humanidade com ela não permitem dizer que,no tempo,é possível,previamente, coibir os erros,os riscos,o falatório.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Wittgenstein



Certa feita wittegenstein fez uma observação que o professor Leonardo Boff gostava de citar:”o conhecimento menos afeito à existência é o da ciência,porque objetiva”,mas nesta frase nós temos que levar em conta o termo menos porque nós não podemos simplesmente afirmar a alienação do homem diante da objetividade,que se poderia cristalizar na frase de Nelson Rodrigues “ os idiotas da objetividade”.
A objetividade não é tão idiota assim,mesmo porque ela é,a partir de Kant,construída pelo sujeito cognoscente ,influencia-o e é influenciada,naturalmente,por ele.
Então este menos dá a medida do papel da ciência para o sujeito humano.Muitos afirmam que a principal contribuição do conhecimento científico objetivo é mostrar exatamente os limites da subjetividade,entre outras possibilidades espirituais,como o  seu valor axiológico e o aprendizado pegagógico ,de quem faz ciência,mas ela é existência também.
Por isso nesta medida está claro que nem o sujeito ,nem o objeto estão separados na cultura humana.Eles podem estar no inconsciente,na individualidade e nestas mediações  também ,aí sim,este menos pode ser nada ,na medida das diversas atitudes que o sujeito pode ter diante do objeto:desinteresse,ignorância,distorção e até repulsão,mas de qualquer forma,no âmbito do estudo,dentro da cultura humana,destas atitudes,não se pode fugir de uma dialética da inevitabilidade do conhecimento para o sujeito,que é tocado ou tocável por ele,no seu tempo de vida,pois só se fala nestas coisas tendo como referência o conhecimento.Até na alienação psicológica ela só o é na medida da não-relação com o conhecimento.
Assim sendo a mediação autoritária,qualquer que seja ela,entre o mais simples dos mortais e o conhecimento não existe,não sendo a produção do conhecimento algo de cima para baixo,mas numa relação equivalente,não-igualitária,mas envolvendo o saber e o não-saber,o que sabe e o que não sabe.
E este menos implica não a não existencialidade da ciência,mas o seu modo,o seu modo  de existir.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O encontro(petição de principio)

Meu encontro com Marx e Freud VIII




Existe um encontro possível entre estes dois pensadores na medida em que o valor das idéias está na mediação  da materialidade,as idéias não se opõem à matéria,elas o são também.Este encontro poderia não ser aceito provavelmente por ambos os pensadores,mas é o que se diz: o que se escreve ,o que se produz ,não pertence,a não ser em termos jurídicos de direitos autorais,aos criadores.Como disse certa vez Chico Buarque “a música que você faz e lança é como um filho jogado no mundo,que você não sabe o que ele vai fazer ou o que vão fazer com ele”.
Deixando de lado o absurdo que é  ter uma atitude dogmática com relação ao que quer que seja,isto é,deixando para trás a idéia tomista e que só é repetir as verdades que alguém disse,todo o texto é suscetível de interpretação,de hermenêutica.Estas não podem torcer aquilo que o autor disse,mas também não devem sentir medo quanto às possibilidades que este mesmo texto apresenta,apesar do esquecimento,do vácuo,deixado pelo autor,mesmo porquê,certas idéias,como a do comunismo e da interpretação dos sonhos,não são originais destes respectivos autores(como nada é),mas parte de um processo de pesquisa trans-histórico,que eles,não raro,modificaram de modo radical.
Então ressalvado o pressuposto de dizer aquilo que é do autor separando daquilo de quem não é, quem se debruça sobre os temas propostos tem o direito de realizar uma atualização,uma interpretação meramente sugerida pelos textos e reformular até a relação texto/contexto em que as obras são realizadas.
Eu já fiz esta petição de princípio quanto a Shakespeare.Não há mais teatro pedagógico do que em Rei Lear,mais do que em tudo o que foi feito por Brecht e Piscator.Talvez nenhum destes autores concordasse comigo,mas o meu pensamento tem fundamento e eu tenho o direito ético de fazer esta interpretação,contra eles,não havendo nenhuma mediação de autoridade,a não ser a busca legítima e bem fundada do conhecimento,porque o conhecimento nos toca e o homem comum,dotado da simples razão de Kant, pode e deve, a partir deste toque, opinar e elaborar,tendo tempo e condição intelectual.
Assim sendo ,para mim ,Marx e Freud são complementares e divergentes ao mesmo tempo e  pode-se  e deve-se tirar deles proveitos de ambas as situações,se renegarmos,com a coragem que os fundamentos acima nos dão,a visão do papel das idéias que Marx(e Engels e Lênin)tinha-(m).
A partir daí nós podemos e devemos analisar a subjetividade ,autônoma,dentro,também,de um critério materialista.Se é que Freud era idealista...


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

São Paulo e a memória



Gosto sempre de associar,como todos sabem,as minhas reflexões  com filmes,porque isto facilita o meu trabalho de exposição e também, creio ,para quem lê este trabalho fica facilitado e até há uma indução para procurar o filme,sob outros olhos críticos ,induzidos pelo artigo.
Este filme é Inteligência Artificial de Spielberg,principalmente naquela parte em que os ciborgs ou andróides são destruídos num espetáculo para gáudio da platéia estritamente “ humana”.As razões pelas quais eles devem ser destruídos remetem um pouco às necessidades do capitalismo,porque tirariam empregos dos humanos,etc.,etc.(Um outro filme interessante é Blade Runner”).
Mas a cada personagem expressa-se uma verdade que está no cristianismo e que é seu princípio universal:a dor(que está no cristo[na cruz]).A maioria dos andróides não se importa com a dissolução porque não sente dor;somente um pede que os “ seus centros de dor sejam desligados” antes dele ser “ morto”(eles são queimados como brinquedinhos de plástico).
Tem uma doce empregada doméstica,ou melhor,uma babá,  que pede emprego ao personagem principal do filme,David, e morre sorrindo para ele,mesmo depois de sua resposta negativa.
Enfim o personagem ou mediação decisivos neste momento essencial do filme é,como eu disse,a  dor e seus derivativos,sofrimento,trauma,baixa autoestima,as paixões tristes para lembrar Espinoza.Ou excludência,que leva à inconsciência destes ciborgs que talvez quisessem ficar mais tempo usufruindo das suas habilitações.(há um prazer nas habilitações[nas virtudes])
Isto tudo para demonstrar o quanto o que relaciona  São Paulo  à morte de Cristo  (na cruz) e a sua necessária ressurreição estão interligados.
O homem ,como diz Pascal,não é fechado em si mesmo(imanente),tendo o outro dentro de si e esta passagem(de busca[e retorno] é a vida humana.
Mesmo para o ateu a narrativa da morte na cruz está dentro desta natureza inarredável da experiência humana.Porque ele então renega?Porque objetivamente não crê em Deus,mas a busca infrutífera de sua existência não é diferente das outras buscas necessárias e inarredáveis.Pode o ateu se negar a  fazê-la ,como um seu direito,mas num aspecto ressaltado por são Paulo, a memória(do sofrimento[de Cristo na Cruz])ele toca a problemática(do sofrimento[dos ciborgs]{de todos}).
Na arte,na metáfora do filme,admite-se o desinteresse,a  banalização das imagens,mas na vida e no seu compromisso não.
É neste momento que a memória é um elemento de per-si decisivo,descoberto na narrativa do outro(Cristo na cruz[universal]),por São Paulo.Se víssemos uma pessoa comum  sendo morta a faina da vida nos faria esquecer o fato  em grande parte,mesmo que ficasse algo da piedade ou da revolta diante da situação.Mas o sofrimento de Cristo não.E isto só é possível pelo que diz São Paulo aos coríntios:” Se cristo não ressuscitasse vã seria a nossa fé”.
Como ateu que sou não me atenho aos aspectos teológicos,mas ao fato de que  a ressurreição é uma esperança que impõe a memória do sofrimento,como algo sagrado.Um ateu pode não acreditar na ressurreição ,mas não pode desdenhar a esperança,porque nem ele pode cultuar o nada,que é a morte sem “ depois”(ressurreição);nem ele é indiferente a uma eternidade vazia.Ninguém pode amara o nada.
São Paulo notou que a vitória da morte não é algo de indiferente para qualquer homem e não o fez com o cinismo de quem quer ajuntar pessoas em torno de um propósito político-religioso.
Não haveria como dar distinção a esta morte especifica sem veracidade pessoal,diante daqueles que diante da morte “ comiam e bebiam”,numa das possíveis atitudes face à sua “ vitória”.
Mas porque esta memória distinta é tão inarredável?É porque por ela toda a possibilidade de comunicação humana se faz possível,incluindo o crente e o não crente.
Eu não vou amenizar as exigências de crença de São Paulo porque o meu interesse aqui é mostrar como a ressurreição(passado/futuro)e a esperança(futuro) são a mesma coisa.
Anda que a narrativa passada de Cristo seja desdenhada a memória do fato ficou,não como narrativa,mas como verdade no sofrimento:a memória é a do sofrimento.Que pode ser de qualquer um ,mas desta vez com um propósito  propósito.
O ateu Guevara morreu na Bolívia  como Cristo na cruz e ele não se dirigiu só ao crente(comunista).
A distância do passado,ou banalização,ou indiferentismo não só funda o explorador como o psicopata.Um mínimo de sofrimento compassivo com alguém na rua nos separa do inferno,da psicopatia e a psicologia já provou isto.
Ainda que não tenhamos como ir pelo mundo tirando as pessoas da cruz e curando as feridas,a esperança de fazê-lo nos torna humanos,auto-susbsistentes enquanto memória (de Cristo  na cruz[ou do sofrimento]).Então  Nietszche está errado ao dizer que a compaixão nos fecha,ela nos abre.