Os
esforços que eu faço para mostrar a relatividade das coisas e o perigo de se
confundir o poder com o saber,começam com o projeto de Platão para o
intelectual,o Rei- Filósofo,Rei de sua “ República” utópica.
Como
eu digo sempre,os modelos metafísicos(mas qualquer modelo)são meras abstrações
que não dão conta da realidade toda.Admite-se que em épocas de ciência rudimentar,ilusões(metafísicas[mas não só])deste
tipo prosperem,mas hoje não é aceitável.
E
retroceder às épocas históricas para
recolocar os pensadores e suas propostas num patamar mais verdadeiro é uma
obrigação.
Acontece
que tal atitude gera a diluição de certos esquemas de poder.Platão pode não ter
sido bem sucedido com o seu “ Rei-filósofo”,mas deixou um esquema bem montado
de autoridade intelectual absoluta que se presta aos maiores desserviços à
humanidade.
É
verdade que a filosofia ocidental é um “
comentário de pé de página” do pensamento de Platão,porque os seus grandes
temas recorrentes estão lá,nele.Direta ou indiretamente.Mas isto não significa
que tudo derive dele e que ele esteja sempre certo e que o que ele diz é bom ou
tem a ver com a realidade.
Desde
o nascedouro ,a filosofia de Platão
sofreu críticas,notadamente da “ Escola Cínica” ,cujo maior
representante foi o conhecido homem com a lanterna na mão,Diógenes.Todo mundo
sabe:cínico vem do grego “ cinos” que quer dizer “ cão”,” cachorro”.Os cínicos,ironicamente
constroem a sua escola sobre um cemitério de cães,para ridicularizar a academia
de Platão.Platão erigiu a sua escola sobre o túmulo de um seu aluno “ academus”,daí
o nome...
A
tradição platônica,mais “ útil” politicamente, sobreviveu,mas os textos da
escola cínica foram suprimidos,não se sabe porquê...mas muitos estudiosos
buscam recuperar o seu pensamento,que buscava um caminho diferente do de
Platão:Diógenes fora escravo e tentava encontrar uma autenticidade na condição
do servo rejeitada pela visão aristocrática de Platão.Nem sempre existe uma
identificação do pensamento deste último com os seus interesses políticos,mas é
impossível separar o seu sistema deste propósito.
Então
porque até hoje,nas escolas e faculdades de filosofia não questionam Platão ou ,pelo menos,não
mostrem as críticas feitas a ele ,no seu tempo e depois?Se a ciência se reforma
,se modifica, porque não a filosofia?Porque ela não se submete à voragem do tempo?
Porque
o saber científico exige prova e quando ela não é encontrada o discurso
desaparece,mas na filosofia a lógica esconde erros sutis e se apóia,para esta
desonestidade,na necessidade de poder e
autoridade.
Os
processo de abstração e de compreensão sociológica apontam para uma
possibilidade de igualação entre estes dois tipos de saberes,mas a natureza
cultural e não raro subjetiva do discurso social atrapalha este objetivo nobre
de verdade.
Os
discursos,para além da autoridade e do poder,devo reconhecer,parecem expressar “
visadas” legítimas,cuja contestação aparenta ser uma forma de repressão,mas
revelar os erros da filosofia é um direito e um dever.
Para
mim não há filosofia sem conhecimento da realidade,sem ciência.É falso que a
filosofia se alimente por si mesma.Mesmo na Idade Média as discussões e querelas se davam em torno da
realidade,como a questão do nominalismo.É uma ilusão transcendentalista querer
dissociar o saber da experiência humana.
De
um lado os modelos são sempre parciais e de outro tudo está interligado.Mesmo o
marxismo não escapou destes desvios que atravessam o caminho do saber:como Benedeto
Croce afirmou Marx era também metafísico,porque acreditava
que seu modelo explicativo era o único para construir “ científicamente” a
utopia.A grande figura humana de Gramsci também não fugiu deste erro com seu “
intelectual orgânico” um outro modelo.
A
postura do intelectual,universal ou não,não é construir modelos mas construir
saberes que permaneçam e para isto é preciso articular o pensamento com a
realidade(na sua mutabilidade).
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