domingo, 6 de maio de 2018

Platão e a escola Cínica


Os esforços que eu faço para mostrar a relatividade das coisas e o perigo de se confundir o poder com o saber,começam com o projeto de Platão para o intelectual,o Rei- Filósofo,Rei de sua “ República” utópica.
Como eu digo sempre,os modelos metafísicos(mas qualquer modelo)são meras abstrações que não dão conta da realidade toda.Admite-se que em épocas de ciência  rudimentar,ilusões(metafísicas[mas não só])deste tipo prosperem,mas hoje não é aceitável.
E retroceder às épocas  históricas para recolocar os pensadores e suas propostas num patamar mais verdadeiro é uma obrigação.
Acontece que tal atitude gera a diluição de certos esquemas de poder.Platão pode não ter sido bem sucedido com o seu “ Rei-filósofo”,mas deixou um esquema bem montado de autoridade intelectual absoluta que se presta aos maiores desserviços à humanidade.
É  verdade que a filosofia ocidental é um “ comentário de pé de página” do pensamento de Platão,porque os seus grandes temas recorrentes estão lá,nele.Direta ou indiretamente.Mas isto não significa que tudo derive dele e que ele esteja sempre certo e que o que ele diz é bom ou tem a ver com a realidade.
Desde o nascedouro ,a filosofia de Platão  sofreu críticas,notadamente da “ Escola Cínica” ,cujo maior representante foi o conhecido homem com a lanterna na mão,Diógenes.Todo mundo sabe:cínico vem do grego “ cinos” que quer dizer “ cão”,” cachorro”.Os cínicos,ironicamente constroem a sua escola sobre um cemitério de cães,para ridicularizar a academia de Platão.Platão erigiu a sua escola sobre o túmulo de um seu aluno “ academus”,daí o nome...
A tradição platônica,mais “ útil” politicamente, sobreviveu,mas os textos da escola cínica foram suprimidos,não se sabe porquê...mas muitos estudiosos buscam recuperar o seu pensamento,que buscava um caminho diferente do de Platão:Diógenes fora escravo e tentava encontrar uma autenticidade na condição do servo rejeitada pela visão aristocrática de Platão.Nem sempre existe uma identificação do pensamento deste último com os seus interesses políticos,mas é impossível separar o seu sistema deste propósito.
Então porque até hoje,nas escolas e faculdades de filosofia  não questionam Platão ou ,pelo menos,não mostrem as críticas feitas a ele ,no seu tempo e depois?Se a ciência se reforma ,se modifica, porque não a filosofia?Porque ela não se  submete à voragem do tempo?
Porque o saber científico exige prova e quando ela não é encontrada o discurso desaparece,mas na filosofia a lógica esconde erros sutis e se apóia,para esta desonestidade,na necessidade de poder e  autoridade.
Os processo de abstração e de compreensão sociológica apontam para uma possibilidade de igualação entre estes dois tipos de saberes,mas a natureza cultural e não raro subjetiva do discurso social atrapalha este objetivo nobre de verdade.
Os discursos,para além da autoridade e do poder,devo reconhecer,parecem expressar “ visadas” legítimas,cuja contestação aparenta ser uma forma de repressão,mas revelar os erros da filosofia é um direito e um dever.
Para mim não há filosofia sem conhecimento da realidade,sem ciência.É falso que a filosofia se alimente por si mesma.Mesmo na Idade Média as discussões  e querelas se davam em torno da realidade,como a questão do nominalismo.É uma ilusão transcendentalista querer dissociar o saber da experiência humana.
De um lado os modelos são sempre parciais e de outro tudo está interligado.Mesmo o marxismo não escapou destes desvios que atravessam o caminho do saber:como Benedeto Croce afirmou   Marx era também metafísico,porque acreditava que seu modelo explicativo era o único para construir “ científicamente” a utopia.A grande figura humana de Gramsci também não fugiu deste erro com seu “ intelectual orgânico” um outro modelo.
A postura do intelectual,universal ou não,não é construir modelos mas construir saberes que permaneçam e para isto é preciso articular o pensamento com a realidade(na sua mutabilidade).

Nenhum comentário:

Postar um comentário