quarta-feira, 25 de outubro de 2023

A má consciência do marxista ortodoxo

 Porque não possuo mestrado ou doutorado não escrevo nesta nefanda revista Terra é Redonda,mas sou obrigado a receber artigos de pessoas que escrevem lá e que ,naturalmente,no minimo,estão fazendo doutorado.

Como é o caso do Sr. Mateus Silveira,já meu conhecido do facebook,de muitos anos.Ele me enviou ontem um artigo sobre classe média e ressentimento,repetindo coisas que eu cnheço há mais de trinta anos:acusações a esta classe de sofrer de ressentimento e servir de apoio à “ exploração burguesa”,etc.,etc,o receituario comum do marxismo ortodoxo,que não muda de jeito nenhum.

É aquele velho milenarismo,o enclave religioso no marxismo,que eu já expliquei tantas vezes e que estabelece quem são os “ eleitos” do futuro,como fazia e faz a religião em todas as épocas.

Eu publiquei um livro recentemente sobre classe média,que eu não sei se este senhor e a revista nefanda tomaram conhecimento,mas lá eu trato dos fundamentos desta besteira recorrente:talvez o próprio Marx tenha s e sentido um pouco deslocado em defender o caráter essencial da classe operária como fautora da Revolução salvadora.Ele era pessoalmente de classe média e possivelmente inventou que o trabalhador de classe média produzia mais-valia(vol.II de “ O Capital”)quando recebia salário.

Assim o sentimento eventual de culpa de Marx de ser beneficiário da exploração acabava.Contudo,seu amigo pessoal Bernstei,n mostrou-lhe a falácia deste argumento:ou pelo menos eu entendo assim.

Marx não tem uma relação total com Kant na medida em que ele entende que o mercado não é o paradigma da humanidade,a partir do reconhecimento da capacidade de escolha do homem,quanto às suas necessidades.

Marx é materialista e deriva o seu materialismo da “Filosofia do Direito” de Hegel,principalmente do sistema de carecimento.

E é por isto que na “Contribuição à Crítica da Economia Politica” ele “localiza” tudo na produção .

Há certos carecimentos que são inarredáveis.Não são passiveis de escolha e marcam o grau de independência de um povo e são a base do comunismo,na sua acepção real(não socialismo).

Isto não é uma escolha kantiana,nem uma afirmação definitiva do mercado como instãncia da liberdade.Marx tem razão aqui.

Tais afirmações básicas já estão na “ Miséria da Filosofia”e é em razão disto que ele escanteia esta dicotomia da “ oferta e da procura”:ela é falsa por natureza ou limitada pelo problema definitivo da capacidade produtiva.

Contudo, estas afirmações verdadeiras limitam a sua tentativa de incluir o assalariado em geral no grupo de trabalhadores aptos a construir o comunismo:é aí que entra Bernstein em seu “Socialismo Evolutivo”,mostrando que certas industrias são inarredáveis.Não são todas as industrias que produzem mais-valia.

O capitalista usa outras formas de obtençao de mais-valia para o seu “ jogo de exploração”:o capital variável,venha de onde vier “ colabora”.

Mas a origem da mais-valia vem deste nucleo inarredável aí.Uma industria de camisa de jogador de futebol produz mais-valia,mas ninguém vive independentemente por uma industria deste tipo,pois será sempre dependente da contribuição essencial de outros lugares.

Os países nórdicos ,por exemplo,não têm estas industrias e portanto o comércio é fundamental para a sua existência.Não têm ,pois,condição ,de por si mesmos,produzir o comunismo.

Tal discussão quebrou a cabeça do último Guevara,o qual perdeu sua posição na Revolução Cubana,por suas concepções a respeito.

O Japão conseguiu sair do feudalismo para a era industrial imitando a industria ocidental,mas precisa de matérias-primas,porque no seu território não tem nada.

Em vista do monismo marxista o ortodoxo de modo geral confunde o problema econômico com a questão pessoal.

Este tipo de acusação me é feita frequentemente,mas eu é que separo os conceitos,não os meus críticos,como este senhor Mateus Silveira(e Terra é Redonda).

Não importa a maneira como uma determinada classe social se comporta culturalmente em certas épocas,importa o papel que ela exerce na economia.

É certo que no inicio do século passado as classes médias apoiaram o fascismo,mas outras defenderam o estado de direito,que permitiu a liberdade dos comunistas de atuar ainda hoje(dentro de uma kombi).

A realidade é dinâmica:os ortodoxos no fundo,seguindo Hegel,pensam que acompanham o movimento,mas ,na verdade,se paralisam,que é a bestimung (destinação)da dialética hegeliana.Pior do que isto:é o retorno ao passado ou ficar nele ,sempre,achando que está no futuro.

Mesmo no tempo de Marx não há como pensar numa sociedade que prescinde do trabalho da classe média.A crença estúpida de Marx(e de outros)de que a vinda do “ comunismo” acabaria com a necessidade destas atividades já era tola no periodo em que “ formulou” tais bobagens:duas partes do pensamento de Marx( e de Lukacs)são as coisas mais idiotas que eu já pude ler, a questão do trabalho produtivo e a consciência de classe.

Ambas foram desmentidas fragorosamente nos anos de sua vida:as reflexões de Marx sobre a Comuna de Paris não levam em conta aquilo que já era percebido por todos:a Comuna só teria chances razoáveis de sucesso se a França toda como nação estivesse empenhada em participar da Revolução.Não sei como isto escapou à Marx,em “ A guerra civil em frança”.

Não é uma caracteristica inarredável da classe média ser ressentida e ficou claro desde a parte final da vida de Marx que era inevitável o seu crescimento:não tem anda a ver com um propósito malévolo da burguesia “ crescê-la”,como aparato justificador da burguesia.

A ascensão histórica da burguesia não se deu como conspiração e não foi totalmente ilegitima na marcha da liberdade.A conspiração da burguesia se fez presente quando ela foi contestada.

O ortodoxo tem tendências deliroides de transferir anacronicamente para o passado o seu modo de interpretação (desta vez) “ cientifica”.

Aquilo que aconteceu no passado não era claro pelos seus atores e só agora se pode saber a causa,como se o passado não tivesse nada.

É o paroxismo de Voltaire que não via nada na Idade Média.É um preconceito iluminista e cientificista.E sobretudo também uma egocentria infantilóide inacreditável.A história convergiu para mim.

O ressentimento atinge não só a classe média,mas a classe operária,que interagiu em todo o lugar da burguesia(leia Hobsbawn meu caro Mateus Silveira),bem como qualquer pessoa e eu especificamente ,que me senti indiretamente citado,deixei este ressentimento de esquerda quando passei a pensar no meu caminho só.

Todos os comunistas que eu conheci ,com exceções(euzinho incluido)eram e são recalcados,ressentidos,com a burguesia,mas o comunismo não é para ter o que burguesia tem, é para liberar o ser humano das amarras que o prendem.Não é a inveja da burguesia que nos move,mas garantir de vez a liberdade humana.



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