sábado, 10 de fevereiro de 2018

Meu encontro com Freud só



Patologia e desajuste II


Eu não sou especializado na parte,digamos,” medica “ da contribuição de Freud.Portanto me interesso pelas conseqüências do seu pensamento:a autonomização da subjetividade;o seu significado histórico-científico;o problema do desajustamento.
Sempre foi conhecida a inadequação  diante do real,mas com Freud esta constatação não só é aprofundada,mas também acrescida de outra que dá conta de que, a qualquer tempo,o real pode influenciar a subjetividade,de fora para dentro,já que ela não é capaz de abraçar o mundo todo completamente.Toca o mundo,é tocado por ele(numa relação dir-se-ia dialética)apenas.
Aceitar esta inadequação é condição de construção da consciência e de evitar a patologia,a neurose.Toda neurose é inadequação,mas nem toda inadequação é neurose.Contudo é de se perguntar se estas duas realidades são impermeáveis.Se a saúde é absoluta.O self  que subsiste na neurose é saúde plena?O conhecimento da patologia a dilui,como o conhecimento da alienação(Marx)?
Como propulsor da criatividade e produtividade,a consciência da inadequação,que é a consciência mesmo,se municia dela(-s)ou do pathos?
Estas perguntas ,em grande parte são “ médicas” e eu as busco para solucionar a dúvida sobre a subjetividade como fonte de um saber legitimamente auto-referente.Um saber legitimamente auto-referente é aquele que se “ enquadra” porque reconhece a inadequação,que contém o risco inerente ao crescimento e que permite  a incidência do trauma.
O trauma é diferente da inadequação,uma instância “ natural”.Ele se aproveita do risco para desviar a subjetividade do reconhecimento.O trauma é como a força:não cria nada a não ser o desvio desta naturalidade.Rousseau,em “ O contrato Social”,no capítulo sobre a escravidão ,afirma que  não há contrato senão entre  pessoas livres.Segundo Grotius o  escravo mantém a sua vida por decisão de seu vencedor,que se torna o seu senhor,mas explica Rousseau que esta relação não existe,porque não há manifestação de vontade do escravo e indiretamente ,a força,que antecipa a morte do escravo rebelde,oprime esta vontade.
Guardadas as proporções devidas, o trauma exerce um papel semelhante à força.Ele não cria nada,só reproduz a sua existência.O reconhecimento de sua presença(da neurose[do pathos])não a dilui e não induz à  produção.
O alcoolismo de Edgard Alan Põe não é o responsável pela sua criatividade.O reconhecimento da neurose ajuda-o de certa forma,enquanto conhecedor do  problema.O analista não conhece mais a patologia do que o analisando(um conceito de Foucault).
Então,uma coisa é a questão médica,outra a relação do homem com o mundo,com o real,com o seu corpo(um problema que analisarei pròximanente)
Isto me enseja responder ao segundo item que eu coloquei acima:o papel histórico-científico de Freud,se ele realizou um “ corte epistemológico”.Freud deve ser visto como parte integrante da História da Medicina,isto é,não só a história ,mas de sua evolução interna ,na busca de evitar o sofrimento humano.
Os atrasos históricos na física nada significam diante deste sofrimento,mas os da medicina sim e a sua causa(do atraso)é a interdição do corpo,do exame do corpo.
O iluminismo,na sua crítica à tradição judaico-cristã participa,ideologicamente desta interdição do corpo e tal se vê na interpretação do pecado original.Esta interpretação teve muitas repercussões nos críticos brasileiros da religião.Estes movimentos críticos afirmam que o pecado original não tem conexão com o sexo,mas com o conhecimento em geral.Não é verdade,o problema do corpo não é só  o da sua objetalização pela pesquisa,mas o da presença do prazer,do sofrimento,dos sentimentos e emoções,do sexo nas suas relações com o poder e a liberdade.Aqui não vou discutir se tudo está interligado no texto bíblico,mas o conhecimento do sexo é conhecimento também,e  fundamental para o individuo e a humanidade.
Freud se integra na medicina e opera uma contribuição.Nesta contribuição,o que acho extraordinário,embora não seja tudo criação dele,é que estabeleceu uma ligação entre a natureza e a consciência(social)humana,sem construir um modelo absoluto cientificista.Não importa que ele tenha buscado este modelo,o fato é que poucos fizeram esta ligação entre natureza e sociedade sem submeter esta última a uma canga limitadora.
Digo que não foi só ele porque o inconsciente foi uma descoberta do romantismo.O papel da mãe na formação da criança foi grandemente antecipado por Pestalozzi e Freud o sabe.Mas a sua solução não  é um corte epistemológico,exatamente porque não é uma nova ciência,mas um método de melhorar a condição humana.
Do ponto de vista das definições essenciais do conhecimento ,o médico não “ cura” o paciente,mas minora o seu sofrimento e administra com responsabilidade  aquilo que o descobridor da causa da doença oferece,a cura propriamente dita.Quem cura é Robert Koch,mas o pneumólogo administra a cura e minora o sofrimento do tuberculoso.
Freud tem ,diante disto ,uma identidade original,porque ele descobre a patologia e a transmite ao paciente.Outros depois dele foram descobridores e médicos.
Concluindo com o primeiro item supracitado,a autonomia da subjetividade aparentemente conduziu a clínica a futilidades,criticadas ,por  exemplo,por um Merquior.Tal asserção é parcialmente verdadeira.A atitude do analista conduz às vezes a esta futilização,mas agindo com rigor é mais do que certo dizer que o individualismo dos divãs “ forma” uma tendência geral,coletiva,psicosocial legitima, a ser considerada como tendência,como lei tendencial.
O nefando Paulo Francis ,suposta cultura(autoproclamada)que eu só cito aqui para ressaltar o descalabro diante da recusa de Freud e da clínica,atacava esta última,por motivos semelhantes aos de Merquior,sem ter  idéia da estatística de incesto,estupro de menores,só no Brasil.Se Freud tivesse contato com esta realidade (que não é só daqui)duvido que ele hesitasse na sua teoria da sexualidade infantil de 1895-98.

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