Patologia
e desajuste II
Eu
não sou especializado na parte,digamos,” medica “ da contribuição de Freud.Portanto
me interesso pelas conseqüências do seu pensamento:a autonomização da
subjetividade;o seu significado histórico-científico;o problema do
desajustamento.
Sempre
foi conhecida a inadequação diante do
real,mas com Freud esta constatação não só é aprofundada,mas também acrescida
de outra que dá conta de que, a qualquer tempo,o real pode influenciar a
subjetividade,de fora para dentro,já que ela não é capaz de abraçar o mundo
todo completamente.Toca o mundo,é tocado por ele(numa relação dir-se-ia
dialética)apenas.
Aceitar
esta inadequação é condição de construção da consciência e de evitar a
patologia,a neurose.Toda neurose é inadequação,mas nem toda inadequação é
neurose.Contudo é de se perguntar se estas duas realidades são impermeáveis.Se
a saúde é absoluta.O self que subsiste na neurose é saúde plena?O
conhecimento da patologia a dilui,como o conhecimento da alienação(Marx)?
Como
propulsor da criatividade e produtividade,a consciência da inadequação,que é a
consciência mesmo,se municia dela(-s)ou do pathos?
Estas
perguntas ,em grande parte são “ médicas” e eu as busco para solucionar a
dúvida sobre a subjetividade como fonte de um saber legitimamente
auto-referente.Um saber legitimamente auto-referente é aquele que se “ enquadra”
porque reconhece a inadequação,que contém o risco inerente ao crescimento e que
permite a incidência do trauma.
O
trauma é diferente da inadequação,uma instância “ natural”.Ele se aproveita do
risco para desviar a subjetividade do reconhecimento.O trauma é como a
força:não cria nada a não ser o desvio desta naturalidade.Rousseau,em “ O
contrato Social”,no capítulo sobre a escravidão ,afirma que não há contrato senão entre pessoas livres.Segundo Grotius o escravo mantém a sua vida por decisão de seu
vencedor,que se torna o seu senhor,mas explica Rousseau que esta relação não
existe,porque não há manifestação de vontade do escravo e indiretamente ,a
força,que antecipa a morte do escravo rebelde,oprime esta vontade.
Guardadas
as proporções devidas, o trauma exerce um papel semelhante à força.Ele não cria
nada,só reproduz a sua existência.O reconhecimento de sua presença(da
neurose[do pathos])não a dilui e não induz à produção.
O
alcoolismo de Edgard Alan Põe não é o responsável pela sua criatividade.O
reconhecimento da neurose ajuda-o de certa forma,enquanto conhecedor do problema.O analista não conhece mais a
patologia do que o analisando(um conceito de Foucault).
Então,uma
coisa é a questão médica,outra a relação do homem com o mundo,com o real,com o
seu corpo(um problema que analisarei pròximanente)
Isto
me enseja responder ao segundo item que eu coloquei acima:o papel
histórico-científico de Freud,se ele realizou um “ corte epistemológico”.Freud
deve ser visto como parte integrante da História da Medicina,isto é,não só a
história ,mas de sua evolução interna ,na busca de evitar o sofrimento humano.
Os
atrasos históricos na física nada significam diante deste sofrimento,mas os da
medicina sim e a sua causa(do atraso)é a interdição do corpo,do exame do corpo.
O
iluminismo,na sua crítica à tradição judaico-cristã participa,ideologicamente
desta interdição do corpo e tal se vê na interpretação do pecado original.Esta
interpretação teve muitas repercussões nos críticos brasileiros da religião.Estes
movimentos críticos afirmam que o pecado original não tem conexão com o sexo,mas
com o conhecimento em geral.Não é verdade,o problema do corpo não é só o da sua objetalização pela pesquisa,mas o da
presença do prazer,do sofrimento,dos sentimentos e emoções,do sexo nas suas
relações com o poder e a liberdade.Aqui não vou discutir se tudo está
interligado no texto bíblico,mas o conhecimento do sexo é conhecimento
também,e fundamental para o individuo e
a humanidade.
Freud
se integra na medicina e opera uma contribuição.Nesta contribuição,o que acho
extraordinário,embora não seja tudo criação dele,é que estabeleceu uma ligação
entre a natureza e a consciência(social)humana,sem construir um modelo absoluto
cientificista.Não importa que ele tenha buscado este modelo,o fato é que poucos
fizeram esta ligação entre natureza e sociedade sem submeter esta última a uma
canga limitadora.
Digo
que não foi só ele porque o inconsciente foi uma descoberta do romantismo.O
papel da mãe na formação da criança foi grandemente antecipado por Pestalozzi e
Freud o sabe.Mas a sua solução não é um
corte epistemológico,exatamente porque não é uma nova ciência,mas um método de
melhorar a condição humana.
Do
ponto de vista das definições essenciais do conhecimento ,o médico não “ cura”
o paciente,mas minora o seu sofrimento e administra com responsabilidade aquilo que o descobridor da causa da doença
oferece,a cura propriamente dita.Quem cura é Robert Koch,mas o pneumólogo administra
a cura e minora o sofrimento do tuberculoso.
Freud
tem ,diante disto ,uma identidade original,porque ele descobre a patologia e a
transmite ao paciente.Outros depois dele foram descobridores e médicos.
Concluindo
com o primeiro item supracitado,a autonomia da subjetividade aparentemente
conduziu a clínica a futilidades,criticadas ,por exemplo,por um Merquior.Tal asserção é
parcialmente verdadeira.A atitude do analista conduz às vezes a esta
futilização,mas agindo com rigor é mais do que certo dizer que o individualismo
dos divãs “ forma” uma tendência geral,coletiva,psicosocial legitima, a ser
considerada como tendência,como lei tendencial.
O
nefando Paulo Francis ,suposta cultura(autoproclamada)que eu só cito aqui para
ressaltar o descalabro diante da recusa de Freud e da clínica,atacava esta
última,por motivos semelhantes aos de Merquior,sem ter idéia da estatística de incesto,estupro de
menores,só no Brasil.Se Freud tivesse contato com esta realidade (que não é só
daqui)duvido que ele hesitasse na sua teoria da sexualidade infantil de
1895-98.
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