domingo, 6 de outubro de 2019

Freud e o pai

Ao publicar o meu livro sobre Marx e Freud inicialmente coloquei um fato de sua infância que,quando soube,me impressionou bastante:as qualidades de estudioso do pequeno Freud se revelaram muito cedo e o menino começou a exigir condições para seu desenvolvimento intelectual,atrapalhado pelo piano das irmãs.
Estas acusavam o irmão de pretensão,individualismo,de querer ser melhor do que os outros,mas o pai de Freud,Gabriel,percebendo as diferenças entre eles ,apoiou o garoto e modificou a ergonomia da casa para favorecê-lo,sem,no entanto,reprimir ou excluir o piano.
Desde pequeno,acostumado a um clima familiar de igualitarismo comunista,esta história me fez refletir,ao longo das minhas idades,sobre a justeza deste mesmo igualitarismo,tido pelos totalitarismos e pelas religiões como supra sumo da ética e moral.
O grande problema da humanidade(modestamente)é equilibrar o igualitarismo com as diferenças inevitáveis e naturais entre os homens.Locke e Rousseau se revezam ao longo do tempo.
Quando as condições sociais pioram, os laços de solidariedade e o igualitarismo adquirem prioridade;quando existe afluência a tendência oposta se manifesta.Mas não só no tempo ocorre isto:em toda a vida da humanidade convivem uma humanidade lauta e outra inserida na miséria,fundamentando-se cada um dos lados em Locke ou Rousseau respectivamente.Cada um tenta impor a sua necessidade como uma verdade ao outro,mas é a condição objetiva que determina o fundamento.
As relações sociais exigem uma socialização desde que o homem nasce e se insere progressivamente na sociedade.O processo de integração exige um igualitarismo,aprender a não se colocar acima dos outros,mas ,na medida em que o homem se torna adulto,podendo conduzir a sua vontade como quiser ,este princípio é modificado e a pessoa se destaca e se distingue das outras,sem no entanto,agredi-las(se não tiver traumas).
A citada história de Freud pequeno,no entanto,impõe uma evidente nova perspectiva ao problema:desde a infância,na imaturidade do homem,esta questão já está presente e o seu desconhecimento gera problemas e dificuldades,porque um dilema surge,que é o de escolher induzir um solidarismo desde os primeiros tempos ou,contràriamente, uma capacidade de luta ,de afirmação.(É aquela cena do “ Super-homem no 1,em que Jor El interpretado por Marlon Brando,prefere mandar Clark para um planeta menor[a terra]]em que ele seria mais forte,por causa da kriptonita{a mãe preferia que ele fosse para um planeta igual,para ter mais amigos e não ficar solitário})
O problema social acima referido,que é dificil de harmonizar e mais ainda na infância,por causa das condições materiais de existência, acabam por influir também:uma criança que tivesse as mesmas dotações de Freud(e acontece sim)numa situação de carência,não poderia alegar o que o fundador da psicanálise alegou,tendo que adquirir uma profunda solidarização,ao arrepio das suas potencialidades individualíssimas,privilegiando a ajuda dos amigos e do grupo.Ela não poderia ter tempo para se dedicar a si mesma.
Se uma criança nasce numa situação de plenitude financeira, já não existe entrave.
O problema (comunista)de criar plenitude material para todos está presente como se vê,mas enquanto um regime assim não se implanta como igualar os dois contextos?
Por enquanto não é possível embaralhar tudo,então ,no meu modo de ver,só a sociedade,através do estado,representando a sociedade,pode fazer uma correção aí,priorizando aquele que tem mais adversidades contra si.
No entanto,seguindo o exemplo de Freud e de seu pai,penso que corresponde a isto um comportamento público,um comportamento baseado no conhecimento da natureza humana,na sua inevitável desigualdade(favorecendo Locke).A explicação disto para a criança,porém,demanda um esforço,para evitar os traumas e frustrações que ficam naqueles filhos que não compreenderem a solução.É muito fácil falar em desigualdade quando se está por cima,mas quando isto significa perder a sua posição,tudo muda,principalmente se as condições econômicas são uma barreira,apesar das qualidades da pessoa.
No episódio do reconhecimento do valor de Freud,uma série de questões sociais surgem,mas não é só isto o que me chamou a atenção nos primeiros anos de contato com a biografia do criador da psicanálise.
Intuitivamente algumas dúvidas penetraram em minha cabecinha de púbere quanto ao comunismo que eu estava ,então,aprendendo(às forças sem muita vontade[entre um jogo de botão e outro]).
Primeira dúvida,que eu hoje,supero(momento histórico):as pessoas não são iguais.Pode-se e deve-se diminuir as distâncias pela educação e superação das barreiras econômicas e sociais( a questão social continua),mas Locke é quem tinha razão;
Segunda dúvida ,superada:igualar à forceps as pessoas,como Lênin e a Revolução Russa quiseram ,só gera distorções e monstruosidades( “ os sonho da razão produz monstros” Goya).O solidarismo como forma única,monista de moralidade e de utopia,expressa no princípio de colaboração com os outros é uma verdade parcial,porque ela está situada na vida social,no processo histórico.Nem toda socialização é boa.Platão já tinha identificado isto na “República “,dizendo que igualar a todos,sem levar em conta as diferenças,favorecia os espertos,que,às escondidas,manipulam estas coletividades forçadas,que reprimem o talento individual em nome do todo,do bem de todos,quando,talvez,tudo melhorasse se o equilibrio entre a individualidade e a coletividade fosse construída.Nem toda relação,igualação é boa.Esta é uma das razões porque forçar o comunismo,o “ comunismo absoluto” de Nelson Levy,é tão violento(ou mais em alguns casos)do que as ditaduras da burguesia.

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