sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Kant e a experiência

Kant de novo

A questão da experiência aparece em Kant desta forma:o que Kant queria fazer era recuperar a metafísica.Reconhecendo que qualquer um poderia filosofar com ela.Então a experiência,juízo a posteriori, é reconhecido como parte do processo de conhecimento,mas sem as categorias do pensamento ,dadas a priori,ele não tem valor.
O conhecimento só tem valor de acréscimo,como já expliquei, quando a consciência acrescenta um predicado a um sujeito.Quando não acrescenta ele é óbvio,tautológico.
Mas ainda não é conhecimento acrescentativo o que Kant procura, mas os juizos abstratos,transcendentais,como as figuras geométricas e matemáticas “criadas” pela razão,deduzidas pela razão.1+1=2,não há referência,segundo Kant,a uma experiência,a uma percepção,a algo trazido pela sensibilidade(Locke).
Então porque falar em experiência,sensibilidade?Pelas razões a que já aludi:todo homem pode conhecer,por uso e concurso de sua consciência capaz,sem nenhum modelo(religioso)pré-dado essencial.O século XVIII é o momento em que os cientistas recebem constantemente a pergunta:onde está o fundamento divino(transcendental) desta sua tese?Benjamin Franklin,Laplace e D´Alembert respondem com a negativa da necessidade disto e aduzem que o trabalho pura e simples em busca da descoberta é suficiente para lhe dar legitimidade(prova da hipótese).
Este homem comum,autônomo ,no entanto,não pode ficar diante de um objeto,para conhecer o mundo,para construir verdades universais,permanentes,trans-históricas:ele usa o seu a priori,as categorias do pensamento.Então a percepção não é tão importante assim porque o a priori é que decide e o a posteriori não joga um papel tão decisivo também,mas o mundo tem que ser apreendido pela intuição,o objeto o tem ,não o mundo inteiro(o ser em si incognoscível),para gerar a noção da diferença entre o particular e o geral,o universal.
Kant ainda não reconhece esta distinção como experiência subjetiva,porque ele não tem ainda condições de entendê-la.Mas com o tempo,com o surgimento de Hartmann,Freud,a subjetividade adquire autonomia,como experiência,entre outras coisas.
Para Kant ,e isto é bem racional e iluminista nele,a verdade é a adequação do sujeito ,da consciência, com o real,ainda que particular.
Amadurecer,deixar de ser criança é compreender esta verdade.Quando o homem medieval imaginava bruxas e basiliscos no céu ele era como uma criança que inventa personagens irreais.Aqui está a origem do pensamento positivista segundo o qual a humanidade só amadurece no século XVIII,por,pela primeira vez,ver o mundo despojado de ilusões.
Mas é uma pretensão iluminista e racionalista analisar o passado com a sua perspectiva científica.Embora as limitações do saber passado pudessem “ infantilizar” o homem,a sua inconsciência quanto a estes limites o “ inocenta” ,mesmo porque não é só o saber racional que define a maturidade,mas a ... experiência,algo mais complexo e inserido no tempo,categorias não muito compreendidas por Kant e os iluministas ,ainda.
É só com a psicologia moderna que mesmo estas ilusões têm um significado subjetivo ,atribuído pelos racionalistas de então,às doenças e à religião,com suas “superstições e crendices”,que separam o homem do mundo real.
Freud ,em sua “ Interpretação dos Sonhos”,expõe os primeiros estudiosos dos sonhos,não reconhecidos ainda,como reveladores de significados e até valores subentendidos no material onirico.Mesmo as superstições supõem uma lógica e uma tentativa não (necessariamente)distorcida de interação com o mundo.Ainda que a inadequação com o real deslegitime o conhecimento(para a razão[pura]),a adequação com a subjetividade,ameaçada sempre pela frustração e desilusão,tem autenticidade.Além do quê esta adequação não é absoluta,como pensavam Kant e os racionalistas e iluministas,mas uma construção com o objeto intuido(Kant de novo),cercado de um mar de inconsciência,erros(errância em Nitezsche[método de tentativa e erro])que a razão deve discernir para caminhar e amadurecer.Kant não tem ,como os outros,elementos para compreender isto,mas põe as condições desta integração futura sujeito/objeto.
Há anos atrás,para explicar Kant eu usei um exemplo concreto do provador de café,que diante de múltiplas xícaras identifica a origem dos liquidos.Para Kant esta capacidade estaria dada a priori,mas o provador só o faz depois de um aprendizado e da aquisição de uma experiência profissional.Kant retira a sua concepção de aprendizado de Rousseau,do “Emilio”,no qual se invectiva contra as repressões aos impulsos naturais legitimos do homem,mas sem levar em conta esta questão.O conhecimento do provador não é universal,quero dizer,quer dizer Kant.
O aprendizado e a experiência adquiridos,são o inicio e a continuidade da autonomia cada vez maior(infinita?)da subjetividade e constituem o surgimento de uma psicologia do ego e do eu.
O eu é a escolha racional,o ego,esta experiência.Para Kant só importava o eu,a escolha racional,mas com o tempo fica clara esta inevitável relação.Toda escolha é referenciada direta ou indiretamente com o ego.
Se digo para uma mulher:”Te amo Milla” e não recebo resposta,isto não invalida a experiência adquirida,mas singulariza esta escolha frustrada(se há frustração)que fica sem efeito.É aqui que os autores localizam a transcendentalidade de Kant e seu pensamento,uma ideia pura,em algo não referenciado à sensibilidade,mas isto não tem sentido porque a escolha só se faz tendo este fundamento.E ademais o que Kant chama de transcendentalidade são os princípios universais e abstratos.
Aqui é que o problema se complica porque é possível imaginar que um primitivo homo sapiens tenha feito uma figura geométrica sem analisar coisas naturais,pedras ou mesmo suas produções culturais,como cestos e roupas?Os empiristas o negariam,dizendo que não há nada no pensamento que não seja percebido antes(Locke)e é realmente dificil que não seja assim,mas há um principio filosófico que diz que tudo que o homem imagina pode se adequar ao real,no futuro,não na imaginação,mas no real mesmo.Não sei de casos confirmados,mas não se pode negar.Ninguém sabe se um basilisco não pode ser encontrado em outro planeta ou mesmo construído em laboratório.A própria clonagem é um pouco a imaginação de Mary Shelley em “ Frankenstein”.Só não casa com a questão da morte e ressurreição.
A questão do ego e do eu,assim posta,apresenta outras consequências:Freud ao apresentar sua tríade Id,Ego e Superego ,exceto pelo primeiro,está muito consentâneo com Kant(sem o saber).A escolha ,localizada no superego,nele,no ego, se fundamenta.Sartre afirma que (pode)existir uma dialética entre estes três termos e(logo)entre os dois de Kant,mas não necessariamente,digo eu,porque um sentimento de amor(igual não contraditório) fundamenta a expressão linguística dele,no “ te amo Milla”.Talvez a obsessão(como outras doenças e neuroses)se fundamente na necessidade(pela recusa da necessária frustração da negação do amor,ou não reconhecimento da inadequação do sujeito com o mundo,como condição de vida e crescimento)seja a necessidade(fetichista?)de reiteração(tautológica,experiência de mesmidade,sem significado e algo novo,sem acréscimo)para satisfazer um desejo enorme,reprimido(pelo trauma[por isso enorme]),que quer se manifestar(e precisa).Então a dialética é saúde.
A dialética,supostamente só de Hegel(e de Marx)entra escondidinha em Kant,que não a aceitava(antinomias da razão),entrando nesta proposta de Sartre e confirmando que ela é cultural,construída pela consciência.
Se a reiteração,pelos motivos supraditos,não é saudável é porque o fundamento pode ser no mesmo sentido da linguagem,da assertiva(eu te amo),mas distinto,diferente,não contraditório,no sentido de que só existe o macho por causa da fêmea e assim por diante,mas porque algo(ente:aquilo que se põe[como existente]à maneira de algo)é diferente ou distinto da afirmação:a emoção e o sentimento(diferentes,distintos)complexos do amor e do afeto(mais distinção)são o fundamento do “eu te amo”.Pode haver adequação entre o amor e a sua correspondência,mas mesmo na negação,o amor é dialético,porque se funda na ideia formada a partir de outro corpo(talvez tendendo para o fetichismo ou obsessão,pela idealização).Precisa do outro percebido para existir.Pode se “ acusar” esta adequação de pobre mas não de ilegítima ou irreal,no sentido dialético.
A fundamentação em algo contraditório carrega o perigo de esquizofrenia ou algo pior,mas se funda numa experiência subjetiva real(biológica),por exemplo,só ama a mulher aquele que é macho,ou porque o é.Mas então a homoafetividade não é dialética?Existe uma negativa neurótica na busca do igual?E no homofóbico,a destruição do outro não revela,entre outras coisas,pelo outro,da presença de um desejo pelo igual?A recusa( pela destruição[o outro é risco de revelação]) não é esconder-se?Em outro artigo tratarei disto aqui.
Para finalizar,o que fica claro na dialética incrustada em Kant,passando por Sartre,é que a dialética (contradição,diferente,distinto)só é possível nesta experiência:só existe o amor se existe o sentimento interagindo e ambos (se)dependem(embora haja hierarquia na escolha[o fato amoroso pode existir sem se manifestar,no entanto]).

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