domingo, 11 de março de 2018

O idealista Kant.Confusões sobre a coisa em si.



A filosofia de Kant,pela sua importância e complexidade, gera incompreensões e debates,principalmente quando um simples comentador como eu o analisa.
A distinção na filosofia de Kant é óbvia:existe um idealismo,que é o seu projeto principal e orientador de todas as reflexões,mas também um criticismo.Kant defende um apriorismo lógico e racional.Ao afirmar que  o conhecimento é para o sujeito ele está fazendo uma crítica da adequação entre o discurso e a realidade, relacionamento entre o sujeito e a coisa.
As coisas só podem ser conhecidas no espaço e no tempo,mas na “ Doutrina Transcendental dos Elementos” o espaço e o tempo não podem ser senão objeto de intuição,não sendo um objeto real,em cuja relação o sujeito produziria o conhecimento.
Neste sentido é que Kant fala na “ coisa em si incognoscível”.A coisa está em que lugar?E no tempo?Em que tempo?Em que momento se o sujeito não apreende  todos os momentos?
É neste passo que o marxismo e o materialismo de Lênin acharam uma “ visão solipsista” de Kant,idêntica a Berkeley.Mas Kant,na sua Revolução Copernicana afirma que o sujeito constrói o objeto,atribui ,no espaço e no tempo,qualidades às coisas,segundo categorias (tiradas de Aristóteles)apriorísticas(dadas desde sempre).Isto é,ele fala num objeto.O que ele diz ,e isto é óbvio,é que só há conhecimento a partir do sujeito.
Ernst Cassirer e  a escola  de Baden,do final do século XIX,retoma Kant ,deixando de lado (no dizer deles)a questão da coisa em si para ficar com o criticismo,porque nesta época o reconhecimento do tempo histórico,da presença histórica do lugar,puseram em xeque a concepção kantiana de espaço/tempo.
Mas é uma contradição em termos ,de Kant,falar num apriorismo transcendental, ,sem o relacionamento com o objeto,e depois na sua construção pelo sujeito.
O problema é que Kant não teve saída em reconhecer a realidade do mundo,mas queria algo universal,permanente,equivalente à ciência de Newton.Como era (e é)próprio da humanidade,é preciso sempre buscar um modelo que oriente a ação,que dê sentido ao mundo,tanto natural quanto social,mas esta “modelação” a partir da natureza não existe.Max Weber,com sua “ sociologia compreensiva”,mostrou este fato.
Apesar dos seus trabalhos científicos, Kant ainda possuía um pé nesta concepção de ciência absoluta,universal,com leis permanentes,que informariam a polis,a sociedade.É a continuação do jusnaturalismo.A confusão entre(não para ele)o modelo universal,a ciência pré-dada e o criticismo gera incompreensões,notadamente para quem tem um temor reverencial da autoridade de um filósofo  e não o questiona.Uma coisa é ensinar a  sua filosofia,outra é aplicá-la no tempo,em épocas diferentes ,depois que  os conhecimentos que a basearam sofreu modificações.
Em resumo:o conhecimento é para nós,mas Kant não está dizendo que as coisas foram criadas e são ilusões do sujeito,como o Bispo Berkeley.Ele está dizendo que o objeto é construído a partir dos dados da sensibilidade,o juízo sintético a posteriori,que vem depois da percepção.O ser do Sujeito é perceber.Como ele vai apreender o mundo,senão por ele mesmo?Descartes ,com o cogito, partiu da evidência da razão que tudo questiona e é ela que permanece,mas ele não teve condições históricas de notar a percepção,os sentidos,que estão imbricados na observação do mundo(talvez se viesse ao Brasil,como quase ocorreu).
O bispo Berkeley dizia que a consciência do sujeito provinha de Deus que a criara,assim como a todas as coisas.Assim, tudo era criação de Deus,que era a mediação de tudo.Se o sujeito conhece o mundo por percebê-lo é porque Deus assim o dotou.Mas a rigor,o homem só tem o sentimento de si(como o animal),porque racionalmente não pode provar  a existência da realidade(objetiva[ainda me lembro do marxista Carlos Nelson Coutinho concordando com esta verdade e a afirmando])e do pensamento.
A acusação de relativismo moral que deriva de tudo isto também é um pouco exagerada.Perceber o mundo pela subjetividade não impede a construção de modelos,inclusive sociais,e Kant,pelo Imperativo Categórico,propõe aquilo que é o inicio do que se denomina “ Comunidade Universal”(“Age segundo uma norma criada por ti que seja válida para todos e para ti”.Mais quais os critérios definitivos desta ordem moral?
Ninguém negará que este modelo social é construído e portanto não tem modelos pré-dados,objetivos,transcendentais.Se notarmos bem,este “ Imperativo” é uma especificação do mandamento de Cristo” Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”,mas como juntar no mesmo balaio Hitler e São Francisco de Assis?O Modelo da bondade é para algumas pessoas(bondosas),mas não para outras.
O único invariável,aparentemente,é a necessidade moral(critério geral coletivo),mas cada época e lugar tem uma.Por trás deste invariável moral há a constatação(contra Machiavell por exemplo,que era amoral)de que a sua falta implica em risco,destruição para a sociedade;então um princípio possível ,permanente,de moral,é a construção,a  afirmação do homem,do sujeito,da comunidade universal.O genocídio põe em risco a sociedade, o homem e a vida.
O Jovem Marx,que ,na “ Sagrada Família” ,definiu a “ Moral Crítica”,não acrescenta  nada à questão,porque a pura e simples discussão da moral não deixa de correr o risco de relativização.E o Velho Marx,com seu acento na economia e no materialismo dialético induziu a seus  seguidores a fazer deste último um modelo definitivo,cuja imposição era a solução da humanidade,esquecendo a crítica,que é caminho da não relativização(mas também não é do absoluto,que não é).

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