Não
é verdade ,como o materialismo grosseiro(inclusive o marxista...)disse,que Kant negou a
possibilidade de conhecimento do Ser.Apenas ele reconheceu,junto com outros
sábios de sua época, que a physis,o universo ,eram ,provavelmente,infinitos.
Todas
as coisas possuíam uma infinidade de elementos constitutivos que não poderiam
ser abarcados completamente.
É
outra coisa a proposta de Kant de construir um pensamento metafísico
universal.Kant queria um conhecimento que fosse universal e não referenciado ao
mundo real.Ele queria que um conhecimento permanente e transcendental.Neste sentido ele era idealista.Mas
como eu disse, o seu projeto central era estéril,porque supunha uma impossível
transcendentalidade.
No
exemplo que eu comumente ofereço, da pedra(Carlos Drummond de Andrade,” Tinha
uma pedra no meio do caminho”),Kant imagina que a forma comum de todas as
pedras podia ser expressada,intelectualmente,(apriorìsticamente) em formas
geométricas perfeitas,mas o fato de existirem formas da natureza, não quer
dizer que são o suporte necessário para
esta conclusão,mas só a capacidade racional do homem.O Juízo Sintético a Priori,extraído
na “ Doutrina Transcendental dos Elementos”,reconhece estas imperfeições da
sensibilidade,da natureza ,mas produz este conceito racional “ puro”,por si
mesmo.
Mas
o reconhecimento desta realidade,pela sensibilidade, é um
caminho,posteriormente desenvolvido,que une a experiência à razão e acaba com
esta oposição entre o transcendental e o real,seja ele qual for ,inclusive
material.
Quando
um materialista(como Marx)se refere à matéria,se refere a quê exatamente?Quando
se nomeia a Physis,se nomeia algo particular dela,não ela toda.Olhar o mundo
pela ciência,pela cadeia de causa e efeito e pelas relações materiais da
existência é supor que o discurso explicativo(o modelo explicativo)dá conta da
existência e da realidade totalmente(totalitàriamente?),mas isto é
impossível,porque ambas lhe escapam.A oposição de Marx de Ciência(realidade)e Ideologia,consagra
este erro e é uma forma de idealismo também também,porque idealiza a realidade,através de suas supostas “
leis imutáveis”.Quando se diz “ matéria” não se diz nada,porque só nomeando
algo parte dela é que se pode ter “ acesso” à matéria.Eu digo uma pedra,eu digo
matéria,mas a matéria é uma abstração vazia(idealização).
Idealista
é aquele que repudia a realidade com conceitos transcendentais,aparentemente
dissociados da experiência.Platão,nós já vimos,é muito discutível de se
considerar idealista.Kant o é dentro
deste projeto a que nos referimos,mas(contre lui?)é mais do que possível
compreender a continuidade entre a razão e os elementos da sensibilidade,da
percepção,fato reconhecido como claro hoje.Idealista é São Tomás de Aquino,com
seus transcendentais.Idealista é a religião de modo geral,que acredita num ser
sempiterno,dissociado do mundo e seu criador.Mas é como disse uma vez Carlos
Nelson Coutinho,seguindo Gramsci:” Embora Deus não exista objetivamente,ele
existe existencialmente na crença da pessoa(Sujeito[digo eu])”.
A
discussão sobre se isto é bom,se é superstição,fetiche,ilusão,é outra,mas de
forma imediata se deve afirmar que a idealização sempre vem acompanhada de
valores,de elementos de consciência,que são a medida da sua legitimidade ou não.Na
relação destes elementos com o ego,com a psicologia,com o desenvolvimento do
sujeito,é que se abrem as condições de legitimação ou não da crença.
Kant
não trabalhou esta continuidade entre razão e sensibilidade porque ele ainda não
tinha,como os outros pensadores de sua época,uma noção mais completa do tempo e
da história,para perceber que a geometria é igualmente parte da experiência
humana,muito embora o caso de Pascal(que examinaremos mais para a frente)desminta
isto.
Não
há como observar o mundo pelas relações sociais ou “ condições materiais de
existência”.Ainda que não se reconheçam as relações sociais,a realidade de fato é que só se pode fazer isto pela
subjetividade,como atesta o cogito de Descartes.
Descartes
antecipou no “ Discurso do Método” a essência do problema da coisa-em-si de
Kant ao demonstrar a diluição da realidade,da matéria em suas diversas formas e
manifestações:a vela ,acesa,dilui a cera,que se transforma em líquido ,que cai
no ralo e se une a outros materiais e assim infinitamente.Ou como está no
Hamlet de Shakespeare:”César morreu;foi
enterrado,se transformando em húmus da terra,que serve ,com outras coisas, para
fazer o piche ,que fecha o buraco dos barris;logo César,hoje,está no barril”
e nós acrescentaríamos hoje ,porque
amanhã estará em outro lugar.O que fica
é o cogito realmente,o Sujeito .
Analisar
o mundo por critérios sociais é obscurecer o fato de que houve previamente um
ato de escolha de um modelo explicativo.Consciente ou inconscientemente é um
Sujeito partido,esquizóide este,porque pensa fazer a observação do mundo,quando
o altera segundo os seus critérios.
As
“ condições materiais de existência” distorcem o mundo,diluindo a autonomia do
sujeito,uma das maiores contribuições de Kant.
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