sábado, 10 de março de 2018

O que é um idealista?Kant e outros que tais.



Não é verdade ,como o materialismo grosseiro(inclusive  o marxista...)disse,que Kant negou a possibilidade de conhecimento do Ser.Apenas ele reconheceu,junto com outros sábios de sua época, que a physis,o universo ,eram ,provavelmente,infinitos.
Todas as coisas possuíam uma infinidade de elementos constitutivos que não poderiam ser abarcados completamente.
É outra coisa a proposta de Kant de construir um pensamento metafísico universal.Kant queria um conhecimento que fosse universal e não referenciado ao mundo real.Ele queria que um conhecimento permanente e transcendental.Neste sentido ele era idealista.Mas como eu disse, o seu projeto central era estéril,porque supunha uma impossível transcendentalidade.
No exemplo que eu comumente ofereço, da pedra(Carlos Drummond de Andrade,” Tinha uma pedra no meio do caminho”),Kant imagina que a forma comum de todas as pedras podia ser expressada,intelectualmente,(apriorìsticamente) em formas geométricas perfeitas,mas o fato de existirem formas da natureza, não quer dizer que são  o suporte necessário para esta conclusão,mas só a capacidade racional do homem.O Juízo Sintético a Priori,extraído na “ Doutrina Transcendental dos Elementos”,reconhece estas imperfeições da sensibilidade,da natureza ,mas produz este conceito racional “ puro”,por si mesmo.
Mas o reconhecimento desta realidade,pela sensibilidade, é um caminho,posteriormente desenvolvido,que une a experiência à razão e acaba com esta oposição entre o transcendental e o real,seja ele qual for ,inclusive material.
Quando um materialista(como Marx)se refere à matéria,se refere a quê exatamente?Quando se nomeia a Physis,se nomeia algo particular dela,não ela toda.Olhar o mundo pela ciência,pela cadeia de causa e efeito e pelas relações materiais da existência é supor que o discurso explicativo(o modelo explicativo)dá conta da existência e da realidade totalmente(totalitàriamente?),mas isto é impossível,porque ambas lhe escapam.A oposição de Marx de Ciência(realidade)e Ideologia,consagra este erro e é uma forma de idealismo também também,porque  idealiza a realidade,através de suas supostas “ leis imutáveis”.Quando se diz “ matéria” não se diz nada,porque só nomeando algo parte dela é que se pode ter “ acesso” à matéria.Eu digo uma pedra,eu digo matéria,mas a matéria é uma abstração vazia(idealização).
Idealista é aquele que repudia a realidade com conceitos transcendentais,aparentemente dissociados da experiência.Platão,nós já vimos,é muito discutível de se considerar idealista.Kant o é  dentro deste projeto a que nos referimos,mas(contre lui?)é mais do que possível compreender a continuidade entre a razão e os elementos da sensibilidade,da percepção,fato reconhecido como claro hoje.Idealista é São Tomás de Aquino,com seus transcendentais.Idealista é a religião de modo geral,que acredita num ser sempiterno,dissociado do mundo e seu criador.Mas é como disse uma vez Carlos Nelson Coutinho,seguindo Gramsci:” Embora Deus não exista objetivamente,ele existe existencialmente na crença da pessoa(Sujeito[digo eu])”.
A discussão sobre se isto é bom,se é superstição,fetiche,ilusão,é outra,mas de forma imediata se deve afirmar que a idealização sempre vem acompanhada de valores,de elementos de consciência,que são a medida da sua legitimidade ou não.Na relação destes elementos com o ego,com a psicologia,com o desenvolvimento do sujeito,é que se abrem as condições de legitimação ou não da crença.
Kant não trabalhou esta continuidade entre razão e sensibilidade porque ele ainda não tinha,como os outros pensadores de sua época,uma noção mais completa do tempo e da história,para perceber que a geometria é igualmente parte da experiência humana,muito embora o caso de Pascal(que examinaremos mais para a frente)desminta isto.
Não há como observar o mundo pelas relações sociais ou “ condições materiais de existência”.Ainda que não se reconheçam  as relações sociais,a realidade de fato é que só se pode fazer isto pela subjetividade,como atesta o  cogito  de Descartes.
Descartes antecipou no “ Discurso do Método” a essência do problema da coisa-em-si de Kant ao demonstrar a diluição da realidade,da matéria em suas diversas formas e manifestações:a vela ,acesa,dilui a cera,que se transforma em líquido ,que cai no ralo e se une a outros materiais e assim infinitamente.Ou como está no Hamlet de Shakespeare:”César morreu;foi enterrado,se transformando em húmus da terra,que serve ,com outras coisas, para fazer o piche ,que fecha o buraco dos barris;logo César,hoje,está no barril” e nós acrescentaríamos hoje ,porque amanhã estará em outro lugar.O que fica  é o  cogito realmente,o Sujeito .
Analisar o mundo por critérios sociais é obscurecer o fato de que houve previamente um ato de escolha de um modelo explicativo.Consciente ou inconscientemente é um Sujeito partido,esquizóide este,porque pensa fazer a observação do mundo,quando o altera segundo os seus critérios.
As “ condições materiais de existência” distorcem o mundo,diluindo a autonomia do sujeito,uma das maiores contribuições de Kant.

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