domingo, 4 de março de 2018

O anacronismo na Ciência



Chamamos de anacronismo em História o distorcer o passado pelas perspectivas do presente,pelas motivações do presente,que são muitas.Mas na Ciência,na História da ciência ,acontece o mesmo,por motivos semelhantes.
Eu tenho me referido a Arthur Koestler e a seu livro “ Os sonâmbulos”,sobre o tateio que é a ciência,a busca do conhecimento.Nós estudamos na escola uma narrativa que visa a  dar sentido à ciência para ensinar mais rápido e melhor.
Mas esta decisão tem um lado ruim,o de esconder a realidade desta caminhada em direção ao conhecimento.
Tenho me referido a isto constantemente:na busca de efeitos econômicos evidentes do progresso da ciência o poder de estado e os próprios interesses econômicos  criam uma narrativa justificadora da autoridade,que é algo muito importante quanto à aplicação do conhecimento e à sua referida utilidade.
Há muitos anos atrás elaborei uma tese ,em que ainda trabalho,sobre a “ Revolta da Vacina”.A reação do público,dos pobres,dos liberais,como Ruy Barbosa,revelava uma deslegitimação da ciência.Não era só a questão da privacidade que estava em jogo,mas o medo da inoculação,do que ela poderia significar.Não sei se havia medo de extermínio,mas,pelo menos,falta de confiança nos efeitos da vacina.
Isto continua atual.Basta vermos a reação do público à vacinação contra a febre amarela,bem como a matança de macacos,como se eles fossem transmissores da doença.
No filme “ Apocalipse Now”,o personagem de Marlon Brando, o Coronel louco Kurtz,se isola,desertando do exército estadunidense, quando faz uma vacinação de uma aldeia perdida no Vietnã.Os aldeões ,pessoas primitivas,tomadas deste mesmo medo,cortam os braços das crianças e os colocam desafiadoramente em frente ao acampamento do comandante.
A mentalidade racionalista,altruísta,que pensa levar o progresso aos “ primitivos”,entra em delírio diante desta reação inesperada.
Ao construir,elaborar,uma visão meta-histórica da ciência ,com fins de legitimação,autoridade e poder,impermeáveis,a ciência se afasta do homem comum(“ “primitivo”?)e o induz a não continuar na busca do conhecimento e do progresso(se a ciência é um progresso absoluto).
Eu tenho também mostrado em artigos sobre física como a aquisição de saberes se dá de forma muito duvidosa,às cegas mesmo.
Ao reconstruir o passado da ciência ,um anacronismo distópico falseia os erros e hesitações de cientistas,vendendo reputações,idolatrias inadequadas,no mínimo.
Einstein não é sozinho.A relatividade é uma teoria transhistórica(como as outras) e a originalidade não é senão uma abstração vazia,porque todos dependem do trabalho investigativo de todos.
Assim foi também com a química,na sua relação com o átomo,que só foi provado no século XX.
Lendo os manuais tem-se a impressão de que com Berzelius,Avogadro,Dalton,Gay-Lussac, o átomo já era admitido e provado,mas não era assim.O último cientista citado Gay-Lussac não usava este termo.Dalton,com sua teoria atômica,expôs isto mesmo,uma teoria,enquanto os dois primeiros buscavam,com termos imprecisos, medir as quantidades dos elementos e fazer a sua notação científica,de maneira experimental e rudimentar,sem chegar a resultados conclusivos,que,no entanto,ajudaram  a manter a pesquisa até aos momentos de realização plena dos seus objetivos.
Ensinar mostrando aos alunos este tateio,a meu ver,os induziria  a uma iniciativa crítica,porque perderiam o medo da autoridade,observando que a ciência e o conhecimento não  são tão perfeitos assim.

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