Chamamos
de anacronismo em História o distorcer o passado pelas perspectivas do presente,pelas
motivações do presente,que são muitas.Mas na Ciência,na História da ciência
,acontece o mesmo,por motivos semelhantes.
Eu
tenho me referido a Arthur Koestler e a seu livro “ Os sonâmbulos”,sobre o
tateio que é a ciência,a busca do conhecimento.Nós estudamos na escola uma
narrativa que visa a dar sentido à
ciência para ensinar mais rápido e melhor.
Mas
esta decisão tem um lado ruim,o de esconder a realidade desta caminhada em
direção ao conhecimento.
Tenho
me referido a isto constantemente:na busca de efeitos econômicos evidentes do
progresso da ciência o poder de estado e os próprios interesses econômicos criam uma narrativa justificadora da
autoridade,que é algo muito importante quanto à aplicação do conhecimento e à
sua referida utilidade.
Há
muitos anos atrás elaborei uma tese ,em que ainda trabalho,sobre a “ Revolta da
Vacina”.A reação do público,dos pobres,dos liberais,como Ruy Barbosa,revelava
uma deslegitimação da ciência.Não era só a questão da privacidade que estava em
jogo,mas o medo da inoculação,do que ela poderia significar.Não sei se havia
medo de extermínio,mas,pelo menos,falta de confiança nos efeitos da vacina.
Isto
continua atual.Basta vermos a reação do público à vacinação contra a febre
amarela,bem como a matança de macacos,como se eles fossem transmissores da
doença.
No
filme “ Apocalipse Now”,o personagem de Marlon Brando, o Coronel louco Kurtz,se
isola,desertando do exército estadunidense, quando faz uma vacinação de uma
aldeia perdida no Vietnã.Os aldeões ,pessoas primitivas,tomadas deste mesmo
medo,cortam os braços das crianças e os colocam desafiadoramente em frente ao
acampamento do comandante.
A
mentalidade racionalista,altruísta,que pensa levar o progresso aos “ primitivos”,entra
em delírio diante desta reação inesperada.
Ao
construir,elaborar,uma visão meta-histórica da ciência ,com fins de legitimação,autoridade
e poder,impermeáveis,a ciência se afasta do homem comum(“ “primitivo”?)e o
induz a não continuar na busca do conhecimento e do progresso(se a ciência é um
progresso absoluto).
Eu
tenho também mostrado em artigos sobre física como a aquisição de saberes se dá
de forma muito duvidosa,às cegas mesmo.
Ao
reconstruir o passado da ciência ,um anacronismo distópico falseia os erros e
hesitações de cientistas,vendendo reputações,idolatrias inadequadas,no mínimo.
Einstein
não é sozinho.A relatividade é uma teoria transhistórica(como as outras) e a
originalidade não é senão uma abstração vazia,porque todos dependem do trabalho
investigativo de todos.
Assim
foi também com a química,na sua relação com o átomo,que só foi provado no
século XX.
Lendo
os manuais tem-se a impressão de que com Berzelius,Avogadro,Dalton,Gay-Lussac,
o átomo já era admitido e provado,mas não era assim.O último cientista citado
Gay-Lussac não usava este termo.Dalton,com sua teoria atômica,expôs isto
mesmo,uma teoria,enquanto os dois primeiros buscavam,com termos imprecisos,
medir as quantidades dos elementos e fazer a sua notação científica,de maneira
experimental e rudimentar,sem chegar a resultados conclusivos,que,no
entanto,ajudaram a manter a pesquisa até
aos momentos de realização plena dos seus objetivos.
Ensinar
mostrando aos alunos este tateio,a meu ver,os induziria a uma iniciativa crítica,porque perderiam o
medo da autoridade,observando que a ciência e o conhecimento não são tão perfeitos assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário